- guia de um ordinário vernáculo -


quarta-feira, 4 de agosto de 2021

QUEM NOS DIRÁ MEMENTO MORI?

 QUEM NOS DIRÁ MEMENTO MORI?

agora que nos acostumamos com a catástrofe, é de entender como são tépidas as ocasiões dos grandes crimes. o exigido silêncio diante do absurdo torna possível o caminhar, já estamos todos tão cansados, o que esperar de nossa força? então esquecemos. é verdade que guarda-se a suspeita do que poderíamos ter sido se reagíssemos ao morticínio, o caminho que teria sido construído no passado sanguíneo. mas buscamos o chão após cada passo, e andar gritando é coisa que não se faz, pois assim nos ensinaram os que antes também calaram porque era assim mais fácil: ser tépido, nunca brusco, ir enrolando os trilhos, enredando o fio no dedo, vivendo porque é o que conhecemos.
e ninguém falará, antes que o terrível tenha acontecido, pois o nosso ofício é lamentar o vidro partido. é depois a hora de ver, nunca adivinhando o que em nossos olhos é físico. lembra-te apenas passageiramente das grandes ideias do dia a dia, a tia velha democracia, a morte dos que já esquecemos, o sofrimento que se unirá às queixas passadas. e ninguém nos dirá que também morremos ao aceitar o abuso por escrúpulo. é o que vejo nas notícias, nas falas miúdas, nas imposições nêmesis.
então entendo que é possível rir enquanto o mundo acaba, pois banho-me até a cintura de água tépida que escorre, única possível, da boca dos vizinhos. morno costume: passado passado. amanhã morreremos, ensimesmados.

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