- guia de um ordinário vernáculo -


segunda-feira, 28 de junho de 2021

ESCARLATE

ESCARLATE 

doeu no ardor do medo
todo homem que já amei,
mas ainda amo, e valente.

deus não me disse nada,
mas ainda me vejo escondido
na delícia caseira dos domingos.

a liberdade que me alcançaram
ainda tremula por acontecer
fogos azedos, indignidade silenciosa.

não é meu todo corpo despedaçado,
mas em mim existem as vozes
que precisam ser saltadas.

hoje me falam de orgulho, sub-reptícios,
e eu desconfio de alguma coisa,
beijando acalorado o meu amado.

percebendo as cicatrizes de viver, recentes,
contabilidade desse impotente ato de revolta,
vou esperando, tão viado, a justiça iridescente.

quinta-feira, 10 de junho de 2021

PIA DESIDERIA

PIA DESIDERIA

mesmo coberto de palmas de palmeiras
malícia do tempo
finco o tronco do veneno, o grito
desejo de viver, a morte por isso não existe

espreita pois é a primeira das filhas de deus
nossa tão próxima companheira, 
dorme e nos lambe os beiços feito as almas,
todas as noites, como me disse o meu avô

por isso, nenhum medo, mas muita raiva
porque em mim transpassa a curiosidade do amor
por essa gente esquálida, os humanos mesmo
ridículas criaturas sem alma, só vagando no nada

e não merecem meu ardor, e é por ser eles
que me dedico a dedilhar cordas e pés
vozes dançando cansadas, a pouca vida,
o muito tempo que guardo em mim

mas eis-me arando um cemitério de vivos,
palmeiras cobertas de sonhos,
os cocos velhos transbordando salitre,
esperando ser caveira, produto final,
sinal dos tempos.