- guia de um ordinário vernáculo -


quinta-feira, 29 de julho de 2021

ASTROLÓGICO

 ASTROLÓGICO

sou como cabra aflita
erguida nos altos picos
teimosia solitária
erguendo por oposto
meus chifres ao céu 

e é rasa minha montanha
sambaqui sem lugar pra bandeira,
conquista é dançar marinho,
livre de patas fendidas,
o fogo do que não posso dizer
porque cresci, porque sou adulto,
e minhas loucuras esfarelam
minha língua viva,
bifurcada:

berrego minha cauda áspera,
piso forte no meu incerto chão
tenho lonjuras, aflito encaro de cima
o pantanoso esforço de amassar
meu próprio pão.

domingo, 18 de julho de 2021

registro:

registro:


meu interesse pela resposta verdadeira: é pelos outros seres que me confirmo. somos esse imenso desespero de luz. todos iguais pelas sobrancelhas, a hipnose quando nos debatemos com a cor do fim do dia. todas as mesmas experiências, expurgos, sangrias. nenhum futuro, nenhum dia. não sei como serei velho, a velha cor da poesia. sei que posso ter caminhos, a morte, a ausência sempre pressentida. a velhice, também na morte, é uma presença distinta, instintos de druida; o possível do olho ver, meu querer pela vida, por isso perseguir a sina. a emoção de mil instantes, minha tristeza repetida. tudo sentir em cor de céu, a nova experiência transida. analítico, divino, eu apenas não vejo ainda a luz infinita.

A CARNE DE MENTIRA, POESIA.

A CARNE DE MENTIRA, POESIA.

tenho tanta vontade de falar
apesar de voz pequena:
ficará, é meu consolo, qualquer registro
do que trepou como folha
no centro do meu pensamento, meu olho.

minha voz é minha vó,
minha figura de proa,
eu nos meandros das mentiras de menino,
e tanto vi, e tanto falei,
e tudo viam mentira,
quando era desejo de falar
o que eu queria, o que em poesia eu via,
meu isolado vinho, a voz falha,
histórias compridas.

tanta fragilidade em minha voz,
e tanta voz escorre nas mãos,
guiando compasso e leme, maestro de mim,
as mentiras de adulto dançando na luz do fim,
meus mal entendidos gestos,
sempre pensaram o mal aqui,
quando era tudo desejo de falar,
pintar minha boca de carmim.

quinta-feira, 15 de julho de 2021


há uma assembleia
no oco de que sou feito.
fatos como imagem de rio,
vozes que cruzo no dedo.
ouço murmúrios contidos,
medos são sempre absurdos.

de que ouvi da cruz
ficou atravessado 
como trave em meu braço
a ânsia de ser ouvido
pelos profetas de barro.
tudo o que eu penso
é sigilo, selo inquebrantável,
fico trêmulo, meio bêbado,
porque tudo escorre, naufrágio.

quem ouve o que não digo,
não sabe onde estou achado,
e tudo o que persigo
é livrar-me de ser vigiado.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

A CASA DOS VENTOS

A casa dos ventos provou-se uma verdadeira cela de monge, não cesso de dizer, espantado pelo cronometrado da hora. Seu chão frio será aquecido por madeira nova, antes mármore luzidio. Em muitos momentos sentei inerte, habitando a novidade do silêncio. Mudar de casa é um pouco como trocar de alma, ficam alguns pelo caminho, o exercício dos olhos ensina muita coisa. Agora preciso prosseguir na retomada. Fiquei no meio de uma ladeira durante alguns meses, o suficiente para conhecer e experimentar. Sua parede galeria, meu primeiro esconderijo de amplas janelas, meu ninho-livro, a companhia. Motivos para os quadros que não pintarei, mas é preciso listá-los aqui, é maneira de minha palavra ganhar a imagem que apenas anoto para não perder.

Os ventos da casa dos ventos encontraram-me num areal de grande silêncio. Ensimesmado, fui galgando o enfrentamento em sensações ardidas. Murro, ponta de faca, esses ditados que nos falam da dor que é ter que entender que a vida é muitas vezes vivida pelo enfrentamento. Queria chamar de dor, mas é raiva. Pelas feridas que me causaram, violentos, e que não se diluíram pela misericórdia dos amigos. Cada dia me trouxe a realização do que eu sempre soube: Deus me ouve, e se quis ser monge sem votos, é na letargia tediosa que encontro a insuficiência da minha santidade abdicada. Não orei com fervor, trabalhei languidamente, amei sem hesitação de velho, mas reticência de novo. Empoeirei imagens dos meus sonhos. A vida não existia.

E ainda não existe, mas a ampulheta girou o sol em suas sombras, e me encontro diante do mar.

Fui feliz, e estou submerso nos meus templos das graças. Fui agradecer na praia. Bebi e comi do meu passo trôpego (ay deus e o é) e senti a liberdade para gritar, como um braço novo, um pensar árvore, frondosamente balouçando. Já disse que mudar de casa é um pouco como mudar de alma, e essa experimentei o tempo que necessitei. E é só. Posso cantar pra subir.