- guia de um ordinário vernáculo -


quarta-feira, 14 de julho de 2021

A CASA DOS VENTOS

A casa dos ventos provou-se uma verdadeira cela de monge, não cesso de dizer, espantado pelo cronometrado da hora. Seu chão frio será aquecido por madeira nova, antes mármore luzidio. Em muitos momentos sentei inerte, habitando a novidade do silêncio. Mudar de casa é um pouco como trocar de alma, ficam alguns pelo caminho, o exercício dos olhos ensina muita coisa. Agora preciso prosseguir na retomada. Fiquei no meio de uma ladeira durante alguns meses, o suficiente para conhecer e experimentar. Sua parede galeria, meu primeiro esconderijo de amplas janelas, meu ninho-livro, a companhia. Motivos para os quadros que não pintarei, mas é preciso listá-los aqui, é maneira de minha palavra ganhar a imagem que apenas anoto para não perder.

Os ventos da casa dos ventos encontraram-me num areal de grande silêncio. Ensimesmado, fui galgando o enfrentamento em sensações ardidas. Murro, ponta de faca, esses ditados que nos falam da dor que é ter que entender que a vida é muitas vezes vivida pelo enfrentamento. Queria chamar de dor, mas é raiva. Pelas feridas que me causaram, violentos, e que não se diluíram pela misericórdia dos amigos. Cada dia me trouxe a realização do que eu sempre soube: Deus me ouve, e se quis ser monge sem votos, é na letargia tediosa que encontro a insuficiência da minha santidade abdicada. Não orei com fervor, trabalhei languidamente, amei sem hesitação de velho, mas reticência de novo. Empoeirei imagens dos meus sonhos. A vida não existia.

E ainda não existe, mas a ampulheta girou o sol em suas sombras, e me encontro diante do mar.

Fui feliz, e estou submerso nos meus templos das graças. Fui agradecer na praia. Bebi e comi do meu passo trôpego (ay deus e o é) e senti a liberdade para gritar, como um braço novo, um pensar árvore, frondosamente balouçando. Já disse que mudar de casa é um pouco como mudar de alma, e essa experimentei o tempo que necessitei. E é só. Posso cantar pra subir. 

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