- guia de um ordinário vernáculo -


domingo, 20 de outubro de 2013

CORAÇÃO



CORAÇÃO

a noite seduzirá
de forma implacável
o meu silêncio

o olhar que procuro
mira o escuro
e está perdido

muitas tentativas
são feitas de brincadeira
mas batem num muro

erguer depois da língua
é ferida borbotoante
corrida descompassada

não esqueço a fuga
o panteão despedaçado
meus olhos ardentes

a consciência nula
de uma existência
que oscila

por trás disso
maquina tudo, impávido,
uma bomba química:

explodo você.


vinte de outubro de 2013.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

UM HOMEM ME INSPIROU DE LÁ DA ESPANHA,

UM HOMEM ME INSPIROU DE LÁ DA ESPANHA,

e eu não temi a morte
mas lamentei o tempo
e minha incapacidade

me senti tão outro
que chorei o amor
de outro e suspirei
no seu lugar

foi como capturar
um vento de viagem
- um daqueles que
nos dizem que você
pode voar,
mas nunca ficar -

e eu entendi por inspiração
que a poesia está deitada
nua e esparramada
esperando meu beijo
meu aceno
meu aperto ali no chão:
 
um homem sorriso
andando e com o coração
fincado no mundo velho
me disse com suas linhas
construídas

tudo o que
a poesia
queria

e a poesia
me queria,

foi o que
me disse
o homem
e as suas
fotografias.

02/10/2013

terça-feira, 10 de setembro de 2013

TRAJETÓRIA



TRAJETÓRIA

eu e o meu amor
nos deixamos
pelo tempo
de um corte
de cabelo

agora a batalha
se decide
no crescimento
dos cachos
e de sorrisos
não dados

nossa ponte
é frágil
até a próxima
lua cheia

quando a tesoura
talvez tentará cortar
nossa cadeia

nos cabe ser
como nunca:
sangue
luz
pedra
centelha.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

DAS COISAS QUE ME ESPANTAM NO AMOR


DAS COISAS QUE ME ESPANTAM NO AMOR

Me espanta no amor essa sua capacidade de mudar. E então quando o amor muda a vida parece que fica surda e insiste em continuar. O amor num dia grita no alto de uma montanha que é para sempre, que veja só, nosso amor é corrente. Me espanta no amor essa sua capacidade de mentir. E de seguir em frente. Promessas e lembranças viram pedaços esquecidos nas gavetas e tudo vira dança dança dança. Vento passa e o amor muda, amor me espanta por ser vazio quando deveria insistir em ser cheio. Amor me espanta por fazer feliz e de repente enlouquecer e partir. E então me espanta muito isso do amor fazer chorar. Isso sim é mistério. Amor de um vai pro cemitério e em outro o luto continua, vira um caso sério. Louco louco louco. Louco de não conseguir clarear o sol ou de andar reto nas calçadas. Amor aprisiona represas e gosta de ser medieval, criando monstros dentro do coração: cabeças enormes de saudades e nenhuma disposição de saciá-la. Amor é louco quando acaba e em um coração distraído continua a pulsar. Não, ele grita, não vou deixar acabar! Isso me espanta mais que tudo no amor: o amor enlouquece, mas quando a gente vira caso de mercê, de prece... Vem o amor com a cara mais limpa do mundo e lhe beija a face, diz ser fecundo: e tudo vira caso de um esquecido bêbado vagabundo. Pronto para recomeçar.



sábado, 24 de agosto de 2013

POÉTICA DA SEPARAÇÃO



POÉTICA DA SEPARAÇÃO

quando meu peito exala dor
mas meus olhos gritam por ar
e meu corpo se contorce por cor
minha boca deve gritar.

quando pensar for inútil
e restar apenas o existir
e o mundo silenciar a música
terrível é ter que sentir.

quando lembranças arranharem
e encontrar letras perdidas for soco
caminharei para o abismo
aqui dentro ainda é oco.

quando tudo se tornar ontem
e os milênios me deixarem
talvez a esperança nasça:
amanhã se constrói no pouco.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

CONHECIMENTOS



CONHECIMENTOS

talvez seu caminho de volta
seja tranquilo
e numa curva do tempo
eu serei apenas lembrança e espinho

talvez meu caminho seja de fogo
e meu coração continuará nesse sufoco
e uma curva do tempo
não será bastante para o choro parar

talvez seus dias bons
coincidam - um dia - com os meus

e talvez meus olhos voltem
a ver as belezas de ser eu

mas hoje, meu amor,
se for a hora de um pouco morrer
saberei fundo que no seu peito

eu ainda vou
eu ainda vivo
até você quiser
esquecer.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

LEMBRETE PARA O TEMPO DE HOJE ou ANDAR FAZ BEM



LEMBRETE PARA O TEMPO DE HOJE ou ANDAR FAZ BEM

amor pode ser sombrio
e sendo sombrio aprender
a ser cruel e assim sendo
o amor pode arrancar corpos
do ar e a todos nós
num átimo
condenar

amor pode ser cruel
por esquecer de responder
e esquecer de sorrir o riso torto
dos que já amaram nus e rotos
em camas em carros em chãos
 
o amor pode ser atroz
e todos seus sinônimos bárbaros
e explodir seus falsos sintomas sacros

e na crueldade do seu desamparo
o amor cruel pode ser salvo
- ah sim, nisso eu acredito -
por quem sempre inventa
e tenta esquecer o cansaço

ah sim
só pelo amor
o amor pode
ser salvo