Nem mesmo o mais desterrado
degradado passa seu cárcere em permanente contemplação. É daí que surgem os
jogos mais perigosos da mente, a decisão entre a tentativa de não se afogar nos
desvarios, no delírio, e usar a força dos braços cansados para boiar diante dos
rastros do naufrágio. O jogo solitário, sem ramificações ou reverberações, se
construiu no completo caos. A complexidade das tramas fez o próprio Dédalo se
perder em seu labirinto. Não existe saída possível, pois ainda não nasceu Ícaro
e o Sol não se decidiu pelo fim da humanidade. O jogo solitário acontece nas
dimensões oferecidas: engolir água enquanto boia nos restos do navio.
Em algum momento, todas as
lembranças que navegavam sutis foram se espalhando na inevitabilidade da
acomodação. Restou uma viga de ferro, desafiando as leis e agindo como floco de
ar nas ondas sedentas. É onde se agarra o velho marinheiro. Seu semblante calmo
esconde a revolta humana: ele também está vulnerável ao tempo, ao renascimento
proposto pela destruição. Em algum momento, a natureza lembrará de suas regras
e o ferro condensará o peso das lágrimas. E o amor será feito de águas de
naufrágio. Como todas: azul.
A quem a paciência recompensa? Ao
tolo, ao sábio, ao filósofo habitando o antiespaço? Ao santo, ao homem, ao que
persevera com os pés descalços? A paciência a alguém recompensa? Ou a paciência
é uma trama urdida pela mente mais maliciosa de Deus, Aquele que é Todo Bom,
para vencer o mais atento, o que espera a mentira diante de nenhum estímulo? É
onde encontramos agora a impulsividade daquele que já foi poeta e agora é
amargura. Nenhuma palavra a mais é necessária em uma terra árida e saturada de
águas fundas.
O corpo morto vai cumprindo as
ordens e se decompõe. A cada dia vai ficando mais diferente, irreconhecível, o
cadáver rígido se fez dançante, temos até provas da sua diferença alegre,
pegamos Deus com a boca na botija e todos os crentes se desfazem em lágrimas.
Morreu Pã, nasceu algum menino em algum lugar estrelado, ainda não sabemos no
que dará, se é que dará em algo, mas para sempre morreu aquele Outro. Avisam
agora que não morreu na hora do beijo escondido, o pérfido beijo, o beijo
pingando perigos, o beijo entre bocas decompostas, a água salobra. O amor morre
aos poucos e por isso o corpo morto vai se decompondo em flores novas. Talvez
eu seja o túmulo.
Nunca fingirei que você não foi
meu primeiro amor. Nunca agirei como se você fosse um desconhecido, ainda que
anos se passem e você não seja mais o pó das sombras das minhas lembranças.
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