Estou cansado de reviver apenas a
tua morte, quando a nossa vida foi tão longa e criou-se vasta nas planícies de
parreiras. Mas o que resta fazer, quando A Eternidade se aproximou em uma
carruagem de fogo e espalhou labaredas como se fossem água? O fim foi maior que
o nascimento de Deus. Por isso, estar preso na ausência, na falta, no cheiro do
corpo morto, na impotência dos anjos caídos.
Não alcanço o mundo para onde
você transferiu os palácios que um dia foram meus. E que contentamento sentia ao
caminhar silencioso pelos conhecidos mármores. A arrogância dos sábios,
construída no balanço tedioso do amor, flutuava como manto. Alojado na
distância do tempo, posso enxergar que a terra é definitiva e a pedreira ocupa
seu espaço no esquecimento com consciência e determinação. Luto para não ser
mais um vencido pelo tempo, mas é um fracasso bíblico: filho de Jacó, não
conseguirei ferir o Anjo, criatura que derrotou muitos outros maiores e
melhores do que eu, habituados ao jogo de sedução do ruflar das asas por vezes
demoníacas. O tempo é Deus e Deus há muito resolveu abandonar as cadeias
limitantes da onipotência. Beberei eu também as águas de um Lethe envelhecido.
Não será o fim porque mesmo após
o esquecimento do nome, o maior possível, segundo o poeta, você continuará
existindo. Meus escritos não foram pintados na areia dos Tamoios, não foram
cantados por Pã, não foram guardados por Jonas no ventre do Grande Peixe.
Escrevi com sangue e com sangue vivi minhas verdades. Você se entranhou em mim
com a paciência dos fios de Penélope, única metáfora possível, única mulher
existente em mim. Assisti emocionado seu trabalho tal qual a Madalena curvou-se
perante o Cristo, que era eu, com suas lágrimas e seus perfumes.
A distância agora é maior que
nossa história. Meu coração já se acostuma ao cheiro de velho insensível do
tempo, o grande algoz que todo amor destrói, até mesmo o Divino. Qual Deus
esperará a salvação? Qual Deus tem paciência de encarar a sua própria criação?
Qual Deus se submeterá às suas leis? Qual Deus morrerá como supõe o tempo? A
solidão dos altares é a nossa resposta.
0 comentários:
Postar um comentário