- guia de um ordinário vernáculo -


sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O JOVEM

O JOVEM

O jovem acordou, acordou cedo e sem nenhuma vontade clara de viver. Acordou e ficou deitado na cama até o sol aparecer e jogar seus raios fortes e mal-educados bem nos olhos do jovem tolo. O jovem deitado na cama pensou na vida enquanto os raios queimavam de brincadeira as órbitas dos seus olhos vazios, janelas para uma alma vazia, uma alma vazia, alma. Pelo menos ele tinha alma e toda a vontade do mundo de morrer. Não que amasse a morte e visse que a vida era feia, não. O motivo para a apatia da vida desse jovem, esse jovem, esse jovem deitado e sendo cozinhado lentamente pelo malvado sol era exatamente a falta de motivos para ser feliz. Não. Não era infeliz, não pergunte isso! Mas, tampouco, não era feliz. Estava num meio termo branco, vazio, oculto, estava em cima do muro na vontade de atuar nessa peça ridícula que uns insistem em chamar de vida.
O jovem estava acordado e enrolado em milhões de lençóis e via seu quarto. Ainda era cedo, muito cedo, mas o sol já estava fazendo o seu fantástico trabalho. O sol é uma falácia, essa história de que o sol vai voltar outra vez (amanhã) é mera ilusão. ILUSÃO, a vida é movida a ilusão. Se não a tivéssemos – pensava o jovem deitado na cama afogando-se em lençóis – nos jogaríamos no louco caminho contrário à moral, moral. O sol vai voltar outra vez, ilusão. Vida, ilusão. O jovem deitado na cama, cansado. De nada. Nada.
O jovem levantou-se e suspirou fazendo o mundo acordar. O mundo acordou e era cego, muito cego, totalmente cedo e as pessoas viam muito pouco, viam tudo que uns queriam que elas vissem. É confuso, é confuso, o jovem sabe disso, mas onde ele estava mesmo? Ah, sim, sua vontade de viver, de viver, de vencer a opinião alheia de vencer a raiva de vencer a irritação de vencer a angustia, a inércia de vencer algo, algo, de galgar, galgar o quê? de vencer, de vencer nada, de simplesmente amar viver e amar a prosa e amar a poesia numa orgia literária, letargia sem vírgulas pontos acentos e onde ele estava mesmo?
De tempos em tempos o jovem acordava com a impressão de que não vivia sua vida, mas vivia mil vidas. Mil histórias passavam diariamente pelos seus olhos, olhos abertos que deixavam tudo entrar: felicidade, tristeza, tristeza, amor, e nada mais e tudo que o mundo possuía em suas enormes gigantes translúcidas mãos.
O jovem no banheiro a água escorrendo sobre seu corpo. Seu corpo gordo, seu corpo magro. O corpo de mil vidas, um corpo elástico que cabe todas as ilusões concretas do mundo. Não do mundo! Do universo! Não do universo! DO INFINITO. Pleonasmo.
Tenho tudo, tenho tudo – pensava o jovem – mas de onde vem essa vontade de jogar minha xícara de café pela janela até alguém morrer, morrer, gritar e depois calar? Repetição, repetição, rotina, e o jovem se deitou molhado na cama entre os lençóis sujos da noite. O jovem solitário, o jovem e o jovem, o jovem que vive só, mas tem por companhia mil vidas, sim.
O leite. O açúcar. O café. Só falta um cigarro. Um risinho irônico. Ele não é assim, é claro. É branco, é branco. Poxa. Poxa. E falta essa vontade de escrever a vida desse jovem, então vamos para o final das divagações da vida desse jovem por que nada que eu escreva vai fazer VOCÊ perceber como esse jovem é como esse jovem vive e por que esse jovem sente raiva de algumas pessoas e ama outras e não usa nenhuma vírgula.
O jovem tomando calmamente seu café da manhã percebeu apenas uma coisa muito clichê, cotidiana, uma coisa que lhe fez ter toda a felicidade do mundo:
A vida é bela por que é incompleta: o objetivo do jogo é você completá-la.
E o jovem dormiu.
Tudo, mentira, é claro. É tudo inventado. Forçado. Sinto muito.

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